domingo, 18 de março de 2018

O ANJO MUTILADO


Sangrado em meio ao alho e sal
Que fazem de mim o jardim
Onde brota, entre espinhos,
Os abortos do ninho e o sepulcro celestial,
A eterna Flor do Mal
Cujo toque remete ao momento desigual
Em que o dia sangra-se de azul total
Forjando do sorriso o imenso céu
Cruel é o vento que corre no dia
Pois a mudes de agora
Em breve hora será juízo final
Então eu serei vós, e nós, seremos
Nada
Temperando com água e vinagre
Esse cinzar do sol
Pescando no rio despido de anzol
O lírio murcho, e o bucho
Servido em baixelas de prata,
Enquanto o Anjo se entope de comer,
Se mata e se enfarta,
Coagulando o saber
Eu espero as horas que faltam
Para assistir tudo o que vai morrer
Pois nu é o meu diário
Nada tenho a lhe dizer.

O Anjo Mutilado se despe do sinal
Não é macho, não é fêmea
É somente anjo ao final
Afinal, da cruz cuja sombra é palatal
Ele despe-se criatura, e na ternura
Faz-se mínimo e racional
Tal qual menina que sangra
Menino que mama
E corpo de desejo carnal.
Me mate
Não me ache
Sou flor em plural
Regada por lágrimas negras
Matando tudo o que é ideal,
Armo a minha cilada verbal
Cuja sintaxe da emboscada
Aproxima-se a cada degrau da escada
Pois eu, senhor, sou também escrava
Tal qual o corpo do anjo
É minha alma mutilada...

Como esquecer o corpo arqueado
Como não se lembrar das coxas emaranhadas
E o membro pulsante
A pulsar o instante do flagelo de prazer
Morrer, é ter a glória de não mais
Sofrer
Correr rumo ao muro, socar,
Sangrar o espírito
E esquecer o momento inútil
Onde seu corpo formou-se das folhas
Deitei-me neste leito suave
E gemia, e rolava, e sabia
Que o crucial instante chegava.
Na lápide do Anjo Mutilado
Deitava, morria, e não mais sonhava.




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