domingo, 25 de março de 2018

SHIVA


A mirra de meus sonhos extrapolou os meus poros...
Eu caio, me ajoelho, lhe imploro
Olhai para mim.
O afago de teus olhos magoados são benções
Eu oro por ti, pra ti, resido na fossa de mim
O meu breu sagrado é amargo
É fel
Eu sou o negro rio do fio do céu
A Babel
Do meu veneno rico, o afinco e o aflito
Tomou as rédeas do destino
Alto deu seu grito
Ao horizonte nasce o infinito, o belo, o clero, o bonito
E o rico cabelo de desterro se resignou ao beijo
Escarrastes nos meus lábios o teu nojo de mim
Mas não arrancastes, porque não deixei, as marcas
Que feliz deixastes em mim
Sim, eu sofri
A desgraça do sorriso de Abel para Caim
Cai nos buracos que eu mesmo fiz
Ri, podes rir
O amor é o último desterro, eu, velha,
Antiga história que o louco escreveu sem ler
Soube descrever a pintura fútil
Da virgem estéril
E o pote onde encerrei meu íngreme espirro de vida
Quebrou
Escorre lentamente na tábua polida a saliva
Eu, Shiva, escrava branca da cega partida
Desmorono
Ao repique do surdo, mudo que diz
Farei, de tua desgraça, a linha matriz
Que minha voz, meretriz, calada, narre à cicatriz...
Putas cores rubras de céus anis, de sons primaveris
Saiam logo daqui. Eu morri no ódio de mim
Anda, crava a lâmina sem ferro do fim
Do ouro perdido, dos olhos de lince
Se eu fosse da Vinci pintaria você
Sempre
Olhando para mim.
A mirra de meus poros estrangulou os meus sonhos.


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